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Associações alertaram Governo na semana passada e elogiam decreto que saiu na sexta-feira e regulariza todos os imigrantes com processos pendentes no SEF. Levantam questões sobre como será aplicada a medida e que tipo de direitos contempla. Há preocupação com os que ainda não entraram no sistema e que serão “muitos”.
Medida “corajosa”, “histórica”, “lúcida”, que repõe “justiça”. Algumas associações aplaudiram assim o decreto do Governo de sexta-feira à noite que faz a regularização de todos os imigrantes que estejam com processos pendentes no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).
Mas, em declarações ao PÚBLICO, alertam: falta saber que soluções haverá para quem não está no sistema, como o despacho será aplicado na prática ou que respostas é que as instituições públicas irão dar aos imigrantes. O Ministério da Administração Interna não respondeu ainda a estas questões
A medida extraordinária enquadra-se no pacote de resposta à pandemia de covid-19 e determina que os imigrantes naquela situação fiquem em situação regular e tenham acesso aos mesmos direitos que os outros cidadãos, incluindo apoios sociais. Abrange também os requerentes de asilo. Funciona como uma espécie de autorização de residência temporária, explicou depois o SEF, e não dispensa o processo já iniciado — os requerentes, que têm que provar com documentos do SEF que já fizeram os pedidos, terão de aguardar contacto do serviço que deverá abrir a 1 de Julho, e quem já tem a marcação não precisa de a voltar a fazer, disse ainda o gabinete de imprensa.
O comprovativo será o documento do agendamento no SEF ou o recibo com o pedido, bem como as chamadas manifestações de interesse ou pedidos emitidos pelas plataformas do serviço. Esses documentos “são considerados válidos perante todos os serviços públicos, designadamente para obtenção do número de utente, acesso ao Serviço Nacional de Saúde ou a outros direitos de assistência à saúde, acesso às prestações sociais de apoio, celebração de contratos de arrendamento, celebração de contratos de trabalho, abertura de contas bancárias e contratação de serviços públicos essenciais”.
Na semana passada mais de 20 associações alertaram o Governo para esta e outras situações. Este domingo, Flora Silva, da associação Olho Vivo, com sede na linha de Sintra, refere que a decisão agora tomada é “lúcida”, “sai no momento certo”. Deixar arrastar a situação “iria trazer graves problemas” para os imigrantes “que são despedidos, dispensados, e ficam sem direito a nada, não se podem inscrever no centro de emprego”.
Preocupa-a, porém, os que estão fora do sistema do SEF, muitos a reunir documentação para efectuar pedidos, alguns até já a descontar para a Segurança Social. Correspondem “a uma fatia grande”, estima. Há casos de quem espera o registo criminal do seu país para efectuar o pedido ao SEF durante meses, outros de quem tem um visto de saúde que não permite nem trabalhar, nem aceder aos benefícios. “O Governo tem que encontrar soluções que deixe estas pessoas com protecção para que não fiquem numa situação dramática. Não podemos deixar ninguém de fora, seja português ou imigrante”, afirma.
Cyntia de Paula, presidente da Casa do Brasil, que apoia brasileiros no centro de Lisboa, fala de uma medida “histórica”, que “transformou uma preocupação em solução”, criando “mecanismos de igualdade para que todas as pessoas fossem incluídas”. Considera ainda positivo que o Governo tenha ouvido as vozes das associações.
Mas lamenta que a medida não tenha ido mais longe na “desburocratização”, garantindo a autorização de residência automática aos imigrantes depois da pandemia. Se os mesmos imigrantes têm que voltar a entrar em filas de espera do SEF irão debater-se com atrasos: “Teria sido uma óptima altura para desafogar o SEF e pôr o sistema nos eixos”. Isto porque as esperas podem chegar a mais de um ano.
Também a preocupam os trabalhadores que estão fora do sistema do SEF. “E não é pouca gente”, garante, dando como exemplo a subida de 43% dos imigrantes brasileiros no ano passado.
Fica ainda por responder como é que as instituições (centros de emprego, segurança social, etc) vão gerir os diferentes documentos do SEF que provam que há um pedido feito pelo imigrante, nota. Sugere que se deveria criar um mecanismo de comunicação mais clara com os próprios imigrantes.
Subsídio de desemprego abrangido?
Para Jakilson Pereira, que trabalha na parte de documentação de imigrantes na Associação Moinho da Juventude, “repôs-se uma certa justiça”: muitos dos que têm pedidos que deram entrada no SEF ao abrigo dos artigos 88 e 89 — que prevê a regularização para quem queira trabalhar — já estavam a descontar há algum tempo, refere. “Os imigrantes [e os que estão fora do sistema] são os primeiros a ser descartados porque são aqueles que a lei mais facilmente permite despedir e nem entram no layoff, têm contratos a prazo. Grande parte do sector da hotelaria e restauração fechou e as pessoas estão a ver-se como nunca antes da crise.”
Também considera que é necessária clarificação: “O despacho diz que os imigrantes têm direito a apoio social, mas não especifica qual é o apoio social, porque existem várias formas de apoio social: abrange subsídio de desemprego, por exemplo?”
Esta foi uma vitória da “luta dos imigrantes”, comenta Timóteo Macedo, da Solidariedade Imigrante (Solim), que representa cerca de 30 mil sócios. Aprecia “a coragem política do ministro da Administração Interna” ao dizer ao PÚBLICO que era “dever de uma sociedade solidária em tempos de crise”. “Fala-se em igualdade de direitos do discurso do Governo e isso é fundamental”, refere.
Sublinha que seria necessária regulamentação para saber como “é que o despacho vai ser aplicado perante o pandemónio na burocracia portuguesa e da resistência de muita gente que está em postos decisivos”. “Estamos atentos e vigilantes. As pessoas não são números, têm que ter os seus problemas resolvidos a tempo. Queremos saber como é que as pessoas vão ser atendidas depois de 1 de Julho. O prazo é prorrogado? Se precisar, pode sair do país e andar com um documento que caducou?”
Deixa uma série de questões por responder, nomeadamente sobre a resposta da Segurança Social e de outras instituições que fecharam portas de atendimento. “Nesta situação em que quase tudo está fechado, e muita gente não mexe em computadores, quero ver como os imigrantes vão resolver os seus problemas com aquele papel.”
Também o Serviço de Jesuítas aos Refugiados e a Plataforma de Apoio aos Refugiados refere-se a medidas de “enorme importância” nomeadamente no caso dos requerentes de asilo que apenas usufruem “da igualdade de direitos em relação aos cidadãos portugueses”, numa “fase intermédia do processo” encontrando mesmo assim “reiterados obstáculos na sua aplicação prática, causados pelo não reconhecimento dos documentos (emitidos pelo SEF) por outros serviços públicos”.
Porém, chama a atenção para o facto de deixar “desprotegidos os migrantes que tenham iniciado o seu processo” depois de 18 de Março, data indicada como limite. “Parece-nos uma desigualdade de tratamento injustificada”, escrevem, pedindo a correcção.
O MAI ainda não respondeu a essa questão, nem disse quantos imigrantes a medida abrange. Há 580 mil imigrantes regularizados em Portugal, mais 100 mil do que no ano anterior. Os últimos dados mostram que houve um saldo positivo de 651 milhões de euros entre as contribuições dos imigrantes para os cofres do Estado.
Fonte: https://www.publico.pt/2020/03/30/sociedade/noticia/regularizacao-imigrantes-processo-sef-historica-ficou-1910068